Relembre manifestações populares que marcaram a história do Brasil

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Relembre manifestações populares que marcaram a história do Brasil

Em um momento com greve de caminhoneiros, vale a pena relembrar movimentos populares que afetaram os rumos do Brasil

Por Ana PradoMarcela Coelho

Greve dos caminhoneiros, via Anchieta próximo da entrada para o Rodonel. São Bernardo do Campo, SP. 27 de maio de 2018. (Roberto Parizotti/Fotos Públicas)

Falta de combustível em postos, circulação de linhas de ônibus com frota reduzida, falta de querosene para aviões e cancelamento de voos. Esses são alguns reflexos sentidos em vários estados brasileiros com o oitavo dia de paralisação dos caminhoneiros.
A greve, que começou no dia 20 de maio, é realizada por caminhoneiros autônomos, por contratados de transportadoras e por outras associações da categoria, que se juntaram posteriormente. As manifestações começaram após a Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos apresentar um ofício ao governo federal pedindo o congelamento do preço do óleo diesel e a abertura de negociações, mas ter sido ignorada. 
Para os caminhoneiros, o custo atual do óleo torna inviável o transporte de mercadorias no país. Para reduzir o preço, as entidades desejam que o governo estabeleça uma regra para os reajustes do produto – hoje, os preços flutuam de acordo com o valor do petróleo no mercado internacional e a cotação do dólar.
Na noite de domingo (27), o presidente Michel Temer anunciou uma série de concessões para tentar acabar com a greve. Entre elas, preço do óleo diesel congelado por 60 dias e queda de R$ 0,46 por litro nas refinarias. Apesar disso, como não foram atendidas todas as exigências dos caminhoneiros, as paralisações seguem pelas estradas do país.
Por isso, este é um bom momento para relembrar movimentos populares que fizeram história no Brasil – há boas chances de algo do tipo ser abordado nos vestibulares deste ano. 

1. Revolta da vacina, de 10 a 16 de novembro de 1904 (República Velha)

O que foi: Uma revolta dupla – dos militares e do povo. “O povo da cidade do Rio de Janeiro rebelou-se contra a lei que tornava a vacinação obrigatória, criada pelo sanitarista Oswaldo Cruz. Juntaram-se a eles os alunos da Escola Militar da Praia Vermelha. Os militares tentaram afastar o presidente Rodrigues Alves do governo para tentar voltar ao poder, mas acabaram sendo presos e a escola militar foi fechada”, explica o professor de história do cursinho do XI, Samuel Loureiro.
A cidade virou um campo de guerra; a população depredou lojas, incendiou bondes, fez barricadas, atacou as forças da polícia com pedras, paus e pedaços de ferro. Foram registrados 30 mortos e 110 feridos. Mas o que levou as pessoas a se irritarem tanto? A matéria ”Rio: cidade doente”, da revista Aventuras na História responde:
“Pela lei, os agentes de saúde tinham o direito de invadir as casas, levantar os braços ou pernas das pessoas, fosse homem ou mulher, e, com uma espécie de estilete (não era uma seringa como as de hoje), aplicar a substância. Para alguns, isso era uma invasão de privacidade – e, na sociedade de 100 anos atrás, um atentado ao pudor. Os homens não queriam sair de casa para trabalhar, sabendo que suas esposas e filhas seriam visitadas por desconhecidos. E tem mais: pouca gente acreditava que a vacina funcionava. A maioria achava, ao contrário, que ela podia infectar quem a tomasse”.

2. Greves operárias do início do século 20

O que foi: Até o início do século 20, não havia direitos trabalhistas: os salários eram baixos, a jornada de trabalho era enorme, havia o emprego maciço de mão de obra infantil. Muitos trabalhadores eram imigrantes europeus fortemente influenciados pelos princípios anarquistas e comunistas. Essa influência foi importantíssima para a eclosão das greves operárias da época.
Em 1905, foi criada a Federação Operária de São Paulo, que reunia as associações de trabalhadores da cidade. Em abril do ano seguinte, o Rio de Janeiro recebeu o 1º Congresso Operário Brasileiro, evento considerado a origem do sindicalismo no Brasil. No dia 1º de maio de 1907, eclodiu a primeira greve geral da história do Brasil. A greve, que durou até o meio de junho, foi reprimida com violência, mas conseguiu fazer com que muitas empresas adotassem a jornada de oito horas de trabalho.
A segunda greve geral veio em 1917 e começou em São Paulo. Com a crise no comércio exterior causada pela Primeira Guerra, os preços aumentavam, os alimentos sumiam das prateleiras e os salários diminuíam. Enquanto isso, os patrões voltaram a esticar as jornadas de trabalho. Em 9 de julho, os trabalhadores organizaram uma passeata. A polícia avançou sobre a multidão com seus cavalos e atirou.
Antonio Martinez, um sapateiro, foi morto. O assassinato revoltou ainda mais os trabalhadores: dias depois, o movimento se tornou uma greve geral com 45 mil pessoas paradas – praticamente todos os operários da capital paulista. A imprensa da época tratava as agitações como anarquistas e os patrões, como caso de polícia. Havia revistas nos passageiros dos bondes e em todos os operários e populares que transitavam pelas ruas. Mas, a partir de então, o movimento operário passou a ser reconhecido como algo representativo e os patrões passaram a negociar com eles.
“O primeiro presidente a negociar com o movimento operário e a admitir sua existência foi o General Hermes da Fonseca (1910-14)”, explica o professor Samuel. Mas a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que unificou toda a legislação trabalhista então existente no Brasil, foi criada em 1943 pelo então presidente Getúlio Vargas durante o período do Estado Novo, entre 1937 e 1945. “Mas é importante notar que essa legislação veio para conter o movimento operário e aliviar a pressão social; não foi por bondade do presidente. Vargas era considerado o pai dos pobres, mas também a mãe dos ricos”.

3. Passeata dos 100 mil, 16 de junho de 1968, no Rio de Janeiro

O que foi: Uma manifestação popular de protesto contra a ditadura militar, organizada pelo movimento estudantil e com a participação de artistas, intelectuais, setores da Igreja e outros da sociedade brasileira. Embora dois estudantes já tivessem sido mortos em confrontos com a polícia durante aquele ano, o clima da passeata esteve mais para o festivo. Uma chuva de papel picado caiu sobre os participantes do protesto e cinco estudantes acabaram presos. Em outubro, confrontos envolvendo facções da direita e da esquerda resultaram uma verdadeira batalha entre alunos da Universidade Mackenzie e da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo.
A matéria “O ano que sacudiu o mundo”, da revista Aventuras na História, descreve: “A coisa começou com meras agressões verbais entre esquerdistas da USP e anticomunistas do Mackenzie, mas a escalada da briga passou a contar com rojões, paus, pedras, coquetéis molotov, vidros com ácido sulfúrico e até tiros – um estudante do lado da USP acabou morrendo. No mesmo mês, o congresso (clandestino) da União Nacional dos Estudantes em Ibiúna, São Paulo, foi invadido pela polícia, que levou para a cadeia cerca de 900 estudantes. Os pais dos jovens presos, alguns dos quais funcionários públicos, também foram perseguidos pela repressão.”
Depois disso, o deputado Márcio Moreira Alves, membro de um Congresso que ainda acreditava ser independente, criticou duramente a repressão aos movimentos de oposição e chegou a sugerir que as jovens brasileiras não namorassem mais oficiais do Exército.
A resposta do governo militar ao discurso e à polarização do país veio em 13 de dezembro com o Ato Institucional número 5, que concedeu poderes praticamente ilimitados ao presidente da República para dissolver o Congresso, retirar direitos políticos e civis de dissidentes e até confiscar seus bens. O presidente se justificou dizendo que havia feito isso para “salvar a democracia”.
A repressão só deixou os ânimos ainda mais exaltados. Guerrilhas urbanas e rurais tentaram, sem sucesso, contra-atacar os militares no fim dos anos 60 e começo dos anos 70. Apesar de terem sido derrotadas, a mística que surgiu em torno da resistência brasileira em 1968 acabaria virando o modelo da luta pela redemocratização do país.

4. Comícios das Diretas Já (1984)

O que foi: Entre janeiro e abril de 1984, grandes comícios foram realizados no país pedindo a volta das eleições diretas para presidente, abolidas desde 1964. Os dois maiores foram em abril: na Candelária, no Rio, cerca de 1 milhão de pessoas se reuniram no dia 10; no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, o número estimado chegou a 1,5 milhão, no dia 16.
Antes disso, um comício na praça da Sé, em São Paulo, reuniu entre 300 e 400 mil pessoas que cantavam “Um, dois, três, quatro, cinco, mil, queremos eleger o presidente do Brasil.” Esse comício foi decisivo porque engrossou a mobilização que depois levaria milhões de pessoas às ruas de outras capitais. A campanha tinha nascido no ano anterior, assim como a Proposta de Emenda Constitucional número 5, do deputado federal Dante de Oliveira.
Pela emenda, o presidente da República seria eleito por voto direto, e não pelo Colégio Eleitoral – que reunia os congressistas e mais seis membros da bancada majoritária em cada Assembléia Legislativa. A iniciativa ganhou o apoio do grupo oposicionista que incluía o senador Teotônio Vilela e o deputado Ulysses 

5. Impeachment de Collor (1992)

O que foi: Denúncias de corrupção envolvendo o presidente Fernando Collor começaram a aparecer aos montes na imprensa em 1992. Pedro Collor, seu irmão mais novo, entregou um dossiê para a imprensa com denúncias de corrupção envolvendo o presidente e PC Farias, tesoureiro de sua campanha eleitoral. Todo mundo já andava extremamente descontente com seu mandato: as medidas de seu governo levaram à recessão do país e desagradaram a boa parte dos partidos políticos e da população. A inflação acumulada no primeiro ano de seu governo foi de 4.853% e o confisco das cadernetas de poupança atingiu em cheio a elite brasileira, que logo ficou contra o presidente.
Com as denúncias, o povo, revoltado, realizou passeatas em vários estados para exigir o impeachment. Uma das principais foi em São Paulo, no dia 18 de setembro, reunindo cerca de 750 mil pessoas.

6. Protestos contra o aumento da passagem (2013)


O que foi: Em junho de 2013, ocorreram quatro grandes protestos na cidade de São Paulo contra o aumento da passagem do transporte público. O primeiro foi no dia 6 de junho; os seguintes aconteceram nos dia 7, 11 e 13. Todos eles resultaram em confrontos com a polícia militar. A cada edição, o número de manifestantes era maior – assim como a violência usada para contê-los.
No dia 13, mais de 200 pessoas foram presas, incluindo jornalistas. Também foram publicados na internet inúmeros vídeos e relatos de pessoas que presenciaram extrema violência policial contra manifestantes e transeuntes pacíficos. Os protestos se espalharam por dezenas de cidades do país (e de fora dele) e, em algumas delas, incluindo São Paulo e Rio de Janeiro, o aumento da tarifa foi revogado.
Depois disso, outras manifestações passaram a ser feitas, porém seus participantes tinham reivindicações variadas, pouco objetivas e, muitas vezes, contraditórias entre si. As consequências totais desses atos ainda não foram plenamente compreendidas (e ainda estão se desenrolando), mas uma delas foi a crise política que culminou no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

Extra

Apesar de ter sido um movimento de caráter político-militar (e, por isso, não entrará na lista), a Intentona Comunista de novembro de 1935 merece atenção especial, segundo o professor de história do cursinho do XI, Samuel Loureiro. Trata-se de uma tentativa fracassada de golpe contra o governo de Getúlio Vargas feita pelo PCB (na época, Partido Comunista do Brasil) em nome da Aliança Nacional Libertadora.
O movimento tem uma característica importante que remete aos protestos de junho de 2013: a tarifa zero do transporte público. Foi estabelecido um governo revolucionário em Natal, no Rio Grande do Norte, que determinou que os bondes seriam gratuitos para a população. Mas esse governo durou apenas três dias.

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